sexta-feira, 9 de março de 2007

Europa quer saber quem está online

Victoria Shannon
em Paris

Os governos europeus estão preparando uma legislação para forçar as empresas a manterem dados detalhados sobre o uso da Internet e do telefone pelas pessoas, algo muito além do que os países serão obrigados a fazer, segundo uma diretriz da União Européia (UE).

Na Alemanha, uma proposta do Ministério da Justiça basicamente proibirá o uso de informação falsa para a criação de conta de e-mail, tornando ilegal a prática padrão na Internet de criação de contas com pseudônimos.

Uma lei esboçada na Holanda igualmente irá além do que exige a UE, neste caso obrigando as companhias telefônicas a guardarem os registros de exatamente onde alguém está durante toda uma conversa por telefone móvel.

Os provedores de Internet na Europa já divulgam de forma "rotineira" informações sobre os clientes - que eles normalmente mantêm à mão por cerca de três meses, para fins de cobrança - para policiais com ordens judiciais, disse um especialista em privacidade. Os dados detalham como a comunicação foi enviada e por quem, mas não divulga o seu conteúdo.

Mas as autoridades argumentaram na época dos atentados terroristas na Espanha e no Reino Unido, em 2004, que precisavam de um armazenamento maior, melhor e mais longo de dados por parte das empresas que cuidam das redes de comunicação da Europa. A Corte Nacional espanhola dará início nesta quinta-feira (15) ao julgamento dos 29 suspeitos dos atentados a bomba contra trens em Madri, em 11 de março de 2004, que mataram 191 pessoas e feriram mais de 1.800.

Os países da UE têm até 2009 para transformar a Diretriz de Retenção de Dados em lei, de forma que as propostas apresentadas até agora são interpretações iniciais. Mas algumas pessoas envolvidas na questão estão preocupadas com uma mudança no pêndulo da privacidade na Europa, que há muito era uma defensora dos direitos de privacidade dos indivíduos.

Segundo as propostas na Alemanha, os usuários teoricamente não poderiam criar contas de e-mail fictícias, por exemplo, para se disfarçarem em leilões online. Nem poderiam usar uma conta inventada para receber e-mail comercial indesejado. Apesar de não serem proibidos apelidos em e-mails, eles teriam que ser rastreáveis ao dono de fato da conta.

"Isto é uma coisa incrivelmente ruim em termos de privacidade, já que as pessoas cresceram com a idéia de que você pode ter uma conta anônima de e-mail", disse Peter Fleischer, o consultor europeu de privacidade da Google, em Paris. "Além disso, será difícil aplicar e não funcionará."

Fleischer, cuja empresa com sede na Califórnia oferece serviço gratuito de e-mail, disse que lei terá que exigir algum tipo de verificação de identidade, "como a necessidade de se registrar para obtenção de um endereço de e-mail usando sua carteira de identidade nacional".

Jörg Hladjk, um advogado especializado em privacidade da Hunton & Williams, uma firma de advocacia de Bruxelas, disse que também poderá se tornar ilegal pagar em dinheiro por contas de celular pré-pagos. As informações de cobrança de assinaturas regulares de telefonia celular já são verificadas.

"É irônico", disse Fleischer, "porque a Alemanha é um dos países na Europa onde as pessoas mais falam sobre privacidade. Em termos de conscientização de privacidade em geral, eu colocaria a Alemanha em um extremo".

Fleischer disse que não está claro se alguma lei européia se aplicará aos provedores de e-mail com sede nos Estados Unidos, como a Google, de forma que qualquer um que necessite de um endereço de e-mail não verificado - por motivos políticos, comerciais ou filosóficos - ainda poderia usar os endereços do Gmail, Yahoo ou Hotmail. "Será difícil saber que lei se aplica", disse Hladjk.

A Google só exige duas informações para abertura de uma conta no Gmail - nome e senha - e a empresa não tenta determinar se o nome é autêntico.

Na Holanda, a proposta de ampliação da lei para abranger todos os dados de localização dos aparelhos móveis "implica em vigilância de movimento de um grande número de cidadãos inocentes", disse a Agência Holandesa de Proteção de Dados. A agência concluiu em janeiro que a lei desrespeita as proteções da privacidade da Convenção Européia de Direitos Humanos. De forma semelhante, a Bitkom, a associação setorial alemã de tecnologia, disse que a lei dali viola a Constituição alemã.

As associações do setor de telecomunicações e Internet fizeram objeções quando a diretriz estava sendo debatida, mas na época suas preocupações eram quanto ao prazo da necessidade de manutenção dos dados e como as empresas seriam compensadas pelo custo de reunir e guardar a informação. A diretriz acabou deixando ambas as decisões nas mãos dos governos nacionais, estabelecendo um prazo de seis meses a dois anos.

"Há muitas pessoas na Alemanha que apóiam totalmente este esboço", disse Christian Spahr, um porta-voz de telecomunicações e lei da Bitkom. "Mas há outros que o criticam mais do que nós."

Tradução: George El Khouri Andolfato

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